Terra maldita

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    Noturno - Pedro Albeirice

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    Noturno - Pedro Albeirice Empty Noturno - Pedro Albeirice

    Mensagem por Hydro Ter Jun 26, 2018 10:30 pm

      [size=19]Os pneus deslizam macio sobre o asfalto frio da madrugada. Após o serão no escritório, solidão e, agora, a avenida em silêncio. Aqui e ali um cachorro esfomeado saqueia sacos de lixo. Cíntia dirige do escritório para casa, onde o solitário quarto a aguarda.[/size]

    [size=19]         Enquanto pressiona suavemente o pedal, ela observa a avenida vazia de carros, vazia de gente, vazia de vida. Como de rotina, na oitava esquina, vira à direita. Duas quadras depois, o semáforo vermelho, que ela viola rotineiramente. Chuva fina. Passa o fast food, a letra amarela se destaca na noite. Vira, então, à direita e faz quatro quadras, um gato branco se destaca na grama da mansão. Então ele aparece, carro anos noventa, preto, mas conservado, silencioso, seguindo-a na solidão da madrugada. Ainda sem susto, ela diminui a marcha, testando a situação. Ele também reduz. Instintivamente acelera, ele faz o mesmo. A casa está longe, um calafrio lhe percorre o corpo. Vira à direita, ele faz o mesmo. Mais duas quadras nervosas, e então, instintivamente vira à esquerda. Agora, desconhece o caminho. Estou apenas nervosa, não pode ser, é coincidência. Não é. Tenta manter o sangue frio, cruza uma rua, mais outra, mais outra e ele atrás. Já não sabe para onde está indo, já passa de oitenta por hora, e ele atrás. Então, aposta tudo noutra guinada à esquerda, e eis que surge o beco. Não há o que fazer, não tem voltar. Abre a porta e, num desespero, corre para o muro. Que quer de mim?, as palmas das mãos, tentando afastá-lo num instintivo ato. Ensaio um não balbuciante... fim de rua, fim de linha, o muro alto. E ele vem a jaqueta jeans, a calça apertada, o rosto suado. Se ficar quietinha, não passa nada. E ela,não, por favor, não... ele aperta firme seus braços e a empurra contra a parede de tijolos e pressiona seu corpo contra o seu, o cheiro de perfume barato pesteando o ar. Ela perde a fala, dedos sujos agora sobem sob o vestido, buscando, trêmulos, seu sexo, que é tocado, por baixo...[/size]

    [size=19]Um grito de pavor e ela sentada na cama, a testa pingando, a camisola colada à pele de tanto suor... o silêncio do quarto é cortado, apenas, por uma sirene distante. No relógio de parede, exatamente quatro horas. Outra vez esse sonho, esse pesadelo recorrente, a cada duas, três semanas, o sol a encontrando de olhos firmes colados ao vidro da janela.[/size]

    [size=19]Novos dias passando, o sono demorado, o medo do sonho a impedindo de dormir. Pesadelos são problemas adormecidos, a amiga diz, e ela repete consigo,problemas adormecidos, adormecidos, cidos...[/size]
    [size=19]Ela, então, dorme em relativa paz por vários dias, parece que não vai acontecer mais. Porém, quando menos espera, a avenida, o semáforo violado, a letra M do fast food, a perseguição, primeiro lenta, depois sôfrega. E o beco, a jaqueta, o perfume barato pesteando o ar, os dedos nojentos em seu sexo. Desta vez, quando o dia a encontra os olhos esbugalhados na janela, ouve o murmúrio isto tem que acabar...[/size]

    [size=19]Nesta manhã, ela não vai ao trabalho. Volta da cidade às dez da manhã. No guarda roupa, bem fundo, escondida entre velhas lingeries, o revólver dorme, inerte. Toma-o entre as mãos e acaricia, agora, o cano, o cabo de madrepérola, passa os dedos suavemente no gatilho. Na cômoda, a caixa de balas comprada ilegalmente.Isto tem que acabar, vai ter que acabar.[/size]
    [size=19]Trabalha pela tarde e, às dezoito horas, o escritório inteiro vai para casa. As salas ficam vazias, as luzes se apagam e ela senta no carpete, num canto de parede, os olhos fixos na noite que cai bem escura, ameaçando chuva.[/size]

    [size=19]Ali no seu cantinho, ela observa o relógio redondo do escritório. O ponteiro pequeno marca o número oito, o número nove, o número dez... não sente sono. Está determinada e nunca se sentiu tão fria. Faltando vinte para as quatro da manhã, ela desce o elevador, na garagem do prédio o seu carro solitário a espera. Aciona o controle remoto e sai pela avenida silenciosa, a chuva fina, apenas alguns cachorros saqueando uma ou outra lixeira. Pressiona, ainda uma vez, suavemente o pedal do acelerador. Após oito esquinas, vira à direita e, duas quadras depois, o semáforo vermelho é desrespeitado. A letra “M” do fast food parece ainda mais cintilante na noite escura. Vira à direita e, após quatro quadras, o gato branco faz contraste com a grama da mansão. Olha o retrovisor, não vem qualquer carro... mais três segundos e ele aparece com o carro anos noventa, mas silencioso e a segue. Diminui a marcha, engole em seco. Ele reduz, também. Em seguida, acelera, no que é imitada por ele. Vira à direita, e pelo retrovisor o vê fazer o mesmo. E vira à esquerda, o velocímetro passando da marca dos oitenta. Então dá outra guinada forte à esquerda e ali está o beco. Não tem voltar.[/size]

    [size=19]Corre, então, para o muro, mas dessa vez segura um volume diferente sob a jaqueta. Ele a alcança e pressiona, ela finge resistir, as mãos nojentas dele sobem pela coxa, passam por baixo da lingerie, ela reúne todo sangue frio possível, os dedos tocando seu sexo...[/size]
    [size=19]Ouve-se, então, o barulho seco da arma e o baque forte do corpo masculino cai formando uma poça de sangue. Os lábios da jovem apenas balbuciam Morre, seu verme![/size]

    [size=19]Logo e seguida, o carro desliza suavemente sobre o asfalto, na madrugada fria da metrópole.[/size]
    [size=19](Pedro Albeirice – Menção Honrosa no Concurso Literário Bram Stoker de Contos de Terror)[/size]
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    Noturno - Pedro Albeirice Empty Re: Noturno - Pedro Albeirice

    Mensagem por Heisenberg Sáb Nov 17, 2018 7:53 pm

    foda.

      Data/hora atual: Qui Mar 28, 2024 3:34 pm