Déjà vu
[Episódio - 1]
- ler:
31 de Outubro. Halloween. Um dia fantástico em que todo mundo sai pra rua pedir doces com suas fantasias preferidas.
Eu sou um amante do Halloween. Não sei porque, hoje não estou muito animado. Normalmente fico todo excitado fazendo travessuras em tudo que é lado! Mas não hoje. Deve ser da idade, afinal, não sou mais uma criança.
Mas de qualquer jeito eu fui pra festinha de Halloween da minha vila...
– Dirija mais devagar! Você pode perder o controle! - Berro.
– Calma filho! Já chegamos.
Sim, eu estou com minha mãe... Eu disse que queria ir sozinho mas ela insistiu. Tanto que acabei cedendo.
Acho que ela ainda é mais criança que eu, penso. Ela mal soube guiar o carro de forma a não colocar a mim e a ela em perigo... Olho pra face da minha mãe com um olhar desconfiado. Não há dúvida que esteve de novo exagerando no que bebe. Aquelas porcarias do constume que os adultos da idade dela não sabem largar. Não vejo sinais de embriagues em sua face. Porém, como bem conheço minha mãe, ela era bem capaz de se maquilhar para disfarçar aquela cor avermelhada das bochechas. Que vergonha, penso balançando a cabeça em sinal negativo.
- Filho, cadê todo mundo? - Pergunta parando o carro no meio da rua e abrindo o vidro, deixando uma brisa gelada entrar.
- Mãe...a festa é na “Rua das Telhas” não na “Rua Boulevard”- Respondo arrepiado com o súbito ar gelado. Cruzo de imediato os braços. Olho pra minha mãe e sua indiferença com o frio. Fico surpreendido, porém não demorou até me lembrar das bebidas... Tá explicado, penso.
- Iiiih é mesmo Matheus! Eu olhei a morada errada.
- Sim, agora por favor feixe essa janela!
- Ok, me desculpe.
Ao chegar na rua da festa, percebi a enorme quantidade de luzes e enfeites de Halloween que tinham preparado pra esse ano. Me deslumbrei com aquilo, era incrível! Tinha muita meninada lá brincando! Cada um com sua fantasia. Que legal...
Ainda lembro de vários halloweens passados, eu e meus amigos interpretando cada um uma personagem do terror. Eu raramente variava, na maioria das vezes, eu ia de morcego. Era minha fantasia preferida, eu adorava esvoaçar as assas de tecido falsas, que na minha imaginação, eram autenticos instrumentos aéreos.
Essas memórias me deixam confuso até hoje... Elas não se enquadram direito nas minhas memórias de escola. É na verdade um grande paradoxo - Pois como vim eu a me divertir com amigos no halloween, se eu nem amigo tinha na minha escola antiga? -
- E aí Matheus! - grita uma voz por trás de mim.
Era Alfred, um grande amigo meu. Meu melhor amigo na verdade. Não conheço ele há muito tempo, nem um ano fez ainda e já se tornou o que é. O que de certa forma é perturbante pra mim, pois ele é meu primeiro e verdadeiro amigo...
Conheci ele este ano quando fui transferido de escola. Não lembro muito bem como foi que esse milagre aconteceu, mas sei que estou muito grato por isso. Minha antiga escola, - se é que posso chamar aquilo lá de escola - não tinha condições para nenhum aluno gente boa se instalar. Assim como eu, e muitos outros coitados que perdião a cabeça naquele inferno.
Mas por fim, eu encontrei um local livre de otários - A Escola Giallo - Ao contrário do lixo que estava antes - A Escola Grigio - cujo nome a carateriza na perfeição...
- Alfred amigão! Também vei heim?! - grito de volta, de seguida o comprimentando com o tipico estilo amigo-amigo, que recentemente passei a usar.
- Logico né Matheus, ta achando o que?! - retruca ele rindo, enquanto desviava o olhar pra minha mãe que estava atrás de mim.- Olá Dona Letícia!
- Olá, tudo bem? - Comprimentou minha mãe. Um simples e vago comprimento, muito fora do seu carater. O que me deixou cabisbaixo e desapontado, sendo que foi ela que insistiu em vir pra festa. Realmente não te entendo mãe, pensei relembrando o seu entusiasmo em outras ocasiões. É uma mãe muito festeira, já com quarenta e poucos anos, sempre fazendo questão de aparecer, seja lá que tipo de festa for.
Começo a pensar que ela não simpatize muito com o Alfred em particular. Mas não pretendo ir por aí, afinal foi só um comprimento, nada que precise de investigação.
Desligo um pouco minha atenção da minha mãe e do Alfred, e volto a observar o movimento. A Rua das Telhas, o local da festa, é de todo o bairro a rua mais festeira de todas. Pelo menos segundo os moradores mais mexidos, aqueles que vivem alugando casas por todo o bairro, só pra se gabarem da sua riqueza... - ou para espalharem família pelo bairro quem sabe -
Era bom ver caras conhecidas. Se bem que com toda aquela gente mascarada era difícil reconhecer meus amigos. Seria mais fácil pra eles me reconhecerem, já que estava sem fantasia.
- Matheus – chamou minha mãe – vou estar ali conversando com a senhora Tuck. Não se afaste muito daqui ouviu?
- Sim mãe…eu já tenho 15 anos, não precisa se preocupar.
Eu sei que é coisa de mãe ter essa preocupação com os filhos, mas…eu já tenho 15 anos! Já sei cuidar de mim próprio!
- Então Matheus, porque não veio mascarado?! – perguntou Alfred espantado – O que houve com o “Matheus, senhor das fantasias loucas”?!
- Sabe é que…cara, não sei, perdi um pouco o interesse por esse tipo de festa... – declarei eu
- O que?! – gritou ele espantado – só pode estar brincando!
Alfred era um ano mais novo que eu, talvez isso explicasse o facto de ele ainda ser apaixonado pelo Halloween.
- Você é mais novo que eu, mais tarde ou mais cedo também perderá o interesse. – disse eu
- Um ano! Sou apenas um ano mais novo que você! – Exclamou ele, enquanto tirava uma mascara preta que tinha pendurado no pescoço – Tome, coloque isso, pelo menos para não ser o único a não usar fantasia. E Matheus…- olhei para ele –…deixe de ser babaca.
Fazer o que nê? O jeito era tentar me divertir mesmo.
Estava colocando a mascara na cabeça, quando avistei um colega da minha antiga escola, o Zack.
Zack era o nerd lá da turma, os caras lá da minha sala fica zuando ele o tempo todo. Claro que eu não era um desses. Eu respeitava ele.
- E ai Zack! Na boa?
Ele saiu correndo…
Mas que mal eu o tinha feito? Sério que eu não me lembro de o ter feito nada de mal. Porque fugiu de mim?
- Covarde – disse Alfred olhando na direcção que Zack foi.
- Qual é a sua mano? Deixa ele! – disse eu com o objectivo de defender Zack.
- Porque está defendendo ele dessa vez Matheus? – perguntou Alfred me estranhando
- Dessa vez?! – perguntei eu confuso
- Sim Matheus! Então você…
Mal acabava Alfred de dizer a frase, uma voz conhecida e odiada por mim chamou nossos nomes…
Eu nunca te fiz nada!!
- ler:
- Eram aqueles dois caras de pau da minha ex-escola. John e Josh.
Tinham a mania de que eram os valentões do pedaço! Bolinavam toda gente, especialmente eu!
Odiava aqueles caras...
- Quem são vocês!? - Pergunta Alfred desconfiado.
- Não te interessa, agora suma daqui! - Gritou John desprezando-o
- Hey! Quem pensa que é!!?... - Berrou Alfred com uma súbita vontade de o esmurrar.
- O que querem? - Perguntei eu por fim
- Hahaha – riu John - o que queremos?! Nos não queremos nada né Josh!?
- É - respondeu Josh rindo
Eu e Alfred ficamos olhando de lado para eles enquanto nos afastávamos.
Aqueles dois eram uns idiotas mesmo, provavelmente só vieram pra festa pra fazer troça de mim.
- Ei! Onde pensa que vai Matheus!? – gritou John – Ainda temos contas a ajustar!
- Contas porra nenhuma! Já disse, vazem! – gritou Alfred por mim desta vez com um tom mais alto.
Eu não entendia o porque deles agirem assim. Realmente não consigo enteder o que leva o ser humano a ter um comportamento desses…pessoas que não dão valor aos outros, que se acham o centro de tudo! Aos meus olhos essas pessoas não passam de lixo insignificante…
- Hu hu, o Matheus está com tanto medo que mal consegue falar. Fica esse coitado falando por ele. Há há há…- provocou John novamente enquanto ria e olhava para minha expressão que se encontrava imóvel.
- O que!!? O que me chamou!!? - berrou Alfred já quase saltando pra cima de John
Nessa altura tinha um monte de gente olhando pra nós. Uns assustados, outros preocupados e outros até rindo. Eu não sabia o que fazer. Porque eu? Por que que eles me faziam aquilo? Eu nunca os fiz nada de mal!!
…“Porque você faz isso!? Eu nunca te fiz nada!!...”…
Huh! Que que foi isso?! Que voz foi essa na minha cabeça? Foi tão…repentino…foi como se eu já tivesse ouvido essa frase…mas onde, quando e quem foi que a disse?...será que fui eu? Será que estou presenciando um déjà-vu?
- Atreva-se a repetir isso na minha frente de novo!! - Desafiou Alfred completamente infurecido e com os punhos cerrados.
- Você é um coitado. - repetiu então John enfurecendo por completo sua vítima que se preparava p’ra socar a cara do mesmo. Porem foi surpreendido por Josh que agarrara seu pulso pouco antes que atingi-se John.
- Ei! Me largue seu…
- Hey… – começou Josh – …porque que você tem essas atitudes agressivas de um bully, na frente de sua mãe? – disse calmamente enquanto apontava para a mãe de Alfred que estava de momento observando o comportamento bruto de seu filho.
Josh estava com certeza tentando intimidar Alfred se aproveitando da mãe dele e da sua agressividade. Ele parece diferente agora. Não é costume seu pensar numa estratégia de contra ataque em brigas… Alias... Como é que ele sabe quem é a mãe dele!? Afinal o Alfred é da minha nova escola...
- Hunh? Como assim?! – Alfred olha para onde Josh apontava – Mãe?
- Vamos embora filho…
- Mãe…eu não…- começava Alfred tentando explicar o que tinha acontecido.
-Vamos embora!
Alfred olha para trás como quem dissesse “Seu sacana…” e vê os dois olhando na sua direcção. John claramente mostrava contentamento deixando uma risadinha sair de vez em quando. Enquanto Josh, estranhamente mostrava tristeza. Uma tristeza profunda como se alguém querido tivesse morrido. O que fez Alfred o encarar por uns 5 segundos antes de se virar e ir embora.
Agora estou frente a frente com esses dois. E desta vez estou sem meu amigo...
Não sou eu quem sofro...
- ler:
- Então é isso...estou sozinho agora.
E eu pensando que o dia não podia ficar pior. Perdi o interesse pelo Halloween, meu único amigo nesta festa foi embora para casa, e agora estou aqui frente a frente com os dois caras que eu mais detesto. Mas que sorte que eu tenho…
- Matheus, se você não abrir logo a boca e falar algo em sua defesa. Eu garanto que nada vai acabar bem para o seu lado…- ameaçou John com um ar sério.
Como é que é? Ele ficou sério do nada…Há um minuto atrás ele tava todo nervoso e com ar de valentão. A não ser que…ele tava agindo daquela forma de propósito para irritar o Alfred sabendo que ele ia ficar nervoso e revidar…até a mãe dele ver e o afastar de mim…maldição…não posso ficar no silencio…
- H-hey…– comecei eu tremendo de medo – Eu não entendo…o porque de v-vocês serem a-assim.
- Assim como? Fortes? Corajosos? Determinados a não ficar sendo maltratados por outros?! – perguntou John em alta voz. – Nós somos melhores que você Matheus! Muito Melhores!
- John! – Alertou Josh puxando a capa de vampiro que John estava vestido – Vamos embora, tem muita gente olhando agora. Usar violência não seria boa ideia…Alem disso…- continua Josh fixando o seu olhar em mim – Como você disse, somos muito melhores que esse coitado.
No momento em que aquela palavra é dita, vejo a mão de John se mover com velocidade em direcção ao meu abdómen, me fazendo cair no chão duro e molhado da chuva.
Ai! Sabia! Como não pude estar esperando por essa!
- Você tem razão Josh – começou John, me encarando no chão – Ele é um coitado.
“coitado”………”coitado”………”coitado”……….
Esse filho da mãe…quem é ele para decidir o que uma pessoa é! Que raiva…e ainda saem correndo só para me deixar sozinho com essa multidão toda me olhando. Vou me levantar e sair daqui, não aguento mais esses olhares…
- Com licença por favor – Soa uma voz no meio da multidão – O que está havendo aqui? Você está bem rapaz?
Era uma policial. Por um momento pensei que fosse minha mãe…
- S-sim estou bem, obrigado – disse eu me levantando e caminhando para fora da multidão
- Você não parece muito bem – disse a policial apoiando a mão no meu ombro – O que aconteceu? Pode me dizer, sou uma policial. Estou aqui para te ajudar.
- Eu cai, só isso.
- Sra. Policial, houve agora mesmo uma briga entre esse rapaz e outros dois que saíram correndo. – Esclareceu alguém por entre a multidão.
- Isso é verdade? – me perguntou ela – Já disse que estou aqui para te ajudar, não se preocupe, pode me dizer.
- Sim. É verdade. Meu amigo também estava envolvido quando eu me encontrei com eles. Só que depois a mãe dele o levou para casa…Ai fiquei só eu aqui com eles. – Confessei.
- São da sua escola? – Perguntou ela.
- Ex-Escola.
- Entendo…já passou por essa situação antes?
- As brigas? Ano passado... Quando andava na escola deles . Todo dia tinha briga.
- É a primeira vez que se encontra com eles depois de mudar de escola?
- Que eu me lembre... Sim.
- Mmm... Ouça…qual é seu nome?
- Matheus. Ninfar Matheus.
- Muito bem…escute Ninfar…
- Err…pode me tratar por Matheus por favor, é uma questão de preferência desculpe…
- Tudo bem Matheus. Escute. Quando eu tinha a sua idade, também sofria bastante com isso. Todo mundo, mas todo mundo mesmo da minha turma ficava me ignorando e agindo de forma violenta comigo. Era um inferno, mas eu fui contar para os meus pais, professores e até policiais o que estava ocorrendo…
- E então…?
- E então…sabe Matheus, naquela altura as pessoas não ligavam muito para esse problema, então o fato de eu ter contado não resolveu muita coisa. Porem, foi aí que eu decidi o que iria ser quando crescer: Policial. Eu queria controlar de qualquer forma esse problema. Ainda quero, e estou lutando para isso até hoje.
- He he…Sra. Policial, agradeço muito pela conversa, gostei da sua decisão, mas…no fundo eu sinto que não sou eu que estou sofrendo…
- O que quer dizer?
- Não sei explicar, é um sentimento estranho que estou tendo desde o começo do ano... Quer dizer... Eu me sinto bem nessa nova escola, mas...
- Tenho certeza que é algo de bom Ninf…digo Matheus. Alias, por que não gosta do nome Ninfar? Eu acho um nome bem bonito.
- Bonito demais se quer saber!
- Há ha há! Já Entendi a razão…me perdoe. He he.
- Heh…não é bem essa a razão, mas deixa pra lá.
- Beleza então Matheus, vá então descansar e pensar no que eu te disse. Se precisar de algo é só me procurar.
- Ok. Obrigado, adeus.
Dei meia volta e começei a caminhar lentamente. Porem...vários pensamentos passavam pela minha cabeça...
"...Não sei explicar, é um sentimento estranho que estou tendo desde o começo do ano..."
Um sentimento estranho disse eu..."...No fundo eu sinto que não sou eu que estou sofrendo..."
Eu devia estar maluco...nem sei o que estava dizendo...como assim não sou eu que estou sofrendo?
Se bem que...até que eu sinto uma diferença na minha pessoa. Agora, não consigo entender o que é..."...Tenho certeza que é algo de bom Ninf…digo Matheus..."
...O meu nome...quando ela perguntou o meu nome...eu..."...Ouça…qual é seu nome?...""...Matheus. Ninfar Matheus..."
Eu...não suportei quando ela me chamou por...aquele nome..."...Err…pode me tratar por Matheus por favor, é uma questão de preferência desculpe...""...Nós somos melhores que você Matheus! Muito Melhores!...""...Ele é um coitado...""...Quando eu tinha a sua idade, também sofria bastante com isso...""...Sra. Policial, houve agora mesmo uma briga entre esse rapaz e outros dois..."
- Matheus, você está tremendo! Está passando mal? - Perguntou a policial colocando a mão na minha testa - Você está fervendo! Ouça, onde estão seus pais?! Sabe o número deles?
- Sra. Policial, ainda está aqui? - perguntei eu com os olhos entreabertos - Não há necessidade de ligar para eles, eu estou bem, só preciso descançar he he. - menti eu desmaiando de seguida.
- Matheus!.......................................................................
A ignorância é uma benção...
- ler:
...Onde estou?......Estou deitado......estou...em casa?...
– M-mãe, você está ai?...- susurrei eu com uma voz rouca – Mãe?...pode vir aqui?
Escuto passos suaves e distantes, que gradualmente se acentuavam revelando o seu dono. Era uma senhora jovem de mais ou menos 25 anos. Não era minha mãe. Parecia ser uma enfermeira...
– Bom dia, sente-se melhor? Sua mãe ligou, está a caminho. – disse ela num tom calmo.
– Eu estou num hospital?
– Sim. Ontem de noite você desmaiou no meio da rua. Mas não se preocupe, está tudo bem.
– Eu desmaiei assim do nada?!
No mesmo momento em que faço a pergunta, sou interrompido com o alto e agonizante ruido do telefone do hospital.
– Espere só um instante Ninfar – disse ela saindo da sala.
Ué? Quando é que eu falei o meu nome?! Ainda por cima o primeiro nome!...Deve ter sido a minha mãe de certeza. Deve ter ligado para essa mulher e falado todos os detalhes sobre mim...ai...maldição...agora eu lembro...
“...Tenho certeza que é algo de bom Ninf…digo Matheus. Alias, por que não gosta do nome Ninfar? Eu acho um nome bem bonito...”
A policial...era ela que estava comigo quando desmaiei...
“...Matheus, você está tremendo! Está passando mal?...”
Melhor parar de forçar a mente...foi por causa disso que vim parar aqui. Fiquei digerindo cada frase dita na conversa que tive com aqueles caras...que acabou dominando o meu corpo...
Hmph...Foi só lembrar da policial que acabei lembrando de tudo que aconteceu...
Devagarinho levantei a cabeça do travesseiro, e, com alguma dificuldade, desloquei o meu corpo até a beirada da cama...ainda podia sentir a dor causada pelo punho de John...
Mal me ajusto, aqueles passos que ouvi a pouco soavam novamente...só que desta vez estavam mais acelerados...pensei em voltar a deitar, mas a pouca energia que restava no meu corpo não permitia isso. Além disso, ela não ligaria.
– Ninfar, já está de pé?! - Exclamou a tal ao entrar no quarto.
– Ah, nem por isso. - Retorqui eu – Por dentro ainda durmo, he he.
– Você conhece uma mulher chamada Karmen Louis?
É a mãe do Alfred...!
– Er...conheço sim. É a mãe de um amigo meu. Porque?
– Ligou dizendo que vem no lugar de sua mãe.
– Ué. Porque?
– Disse que sua mãe tinha tido um problema com o carro.
– Um problema com o carro?...
– Ninfar, se você não tiver confiança nessa mulher …
– Que nada, já conheço a Karmen muito bem... É como uma segunda mãe, sabe?
A enfermeira sorriu de leve.
– Tá certo então Ninfar. Já está bem descansado? Quer que eu traga alguma coisa para comer?
– É mesmo...como sabe o meu nome? - Perguntei eu intrigado ignorando completamente a pergunta da enfermeira.
– Aqui todos os pacientes quando saem do hospital deixam os seus nomes registrados. Não sabia?
– He. Mas eu ainda não sai...
– Não, mas já esteve aqui antes, he he.
– Huh?...
– Ano passado. Não lembra?
– Nem por isso. Podia jurar que é engano.
– He, he, não é engano não, você esteve aqui sim. Não comigo, mas que esteve aqui esteve.
– ...
...Muito estranho isso. Como posso não lembrar de nada!?
- Sabe-me dizer qual foi a razão? – Perguntei eu
- Da sua outra vinda?
- Uhum.
- Espere só um momento, deixe eu só acabar de arrumar esta bancada aqui que eu já vou me informar.
- Ok.
Aquela bancada…aquele tom de madeira, escuro e reluzente…e…e aquele formato encaracolado nas bordas…
“…Margarete, me ajude aqui por favor! Me dê aquele pano que está ali na bancada…”
- Margarete? – Pensei alto.
- Disse algo? – Perguntou a enfermeira sem tirar os olhos da bancada.
- Nada não, estava só pensando alto…
- Se precisar de algo é só dizer.
- He, he. Não se incomode.
- Você é meu paciente, é meu dever cuidar de você.
-…
…Será que devo perguntar?...Tenho medo que fique chato…Isso não é pergunta que se faça numa situação dessas…
- Ouça, posso fazer uma pergunta? – Arrisquei eu
- Claro.
- Bem…quem são as enfermeiras que mexem com essas bancadas, para além da senhora?
Mas que idiota! Porque eu não fui logo perguntar quem era essa tal de Margarete!?
- Er…não era bem isso que eu ia perguntar…Sabe, deixa pra lá, não importa mesmo. Desculpe pelo incómodo. – Gaguejei eu logo após fazer a pergunta.
- Esteja á vontade Ninfar, não tem problema. – Disse ela quebrando o galho. – Quase todas as salas tem bancadas como esta…Mas porque pergunta?
- É que eu lembro dela…lembro de um pano que estava nela…lembro de haver uma mulher…
- Margarete. – adiantou a enfermeira.
- Huh?! Como sabe?! – falei eu surpreendido.
- Não sei. É que a Margarete…quando você falou do pano eu lembrei…ela foi despedida e presa ano passado. Ela tentou matar um dos pacientes…
No momento em que aquela frase entra em meus ouvidos…um calafrio me percorre o corpo dos pés a cabeça…nunca esperaria tal resposta…
- Q-quem foi o paciente? – Perguntei receoso.
A enfermeira olha de lado para mim e sai da sala. Nenhuma palavra é dita.
- Droga…– sussurrei para mim mesmo.
Eu já não aguentava mais aquele suspense todo. Já estava na cara que algo de errado estava acontecendo comigo…
Decidi então me levantar e sair da cama. Agora de pé, poderia observar melhor a sala…
Olhei envolta e avistei um bilhete. Estava em condições miseráveis. Como se alguém o tivesse amassado de modo a que ficasse ilegível.
Curioso, peguei nele e tentei recompor o papel…No cabeçalho estava escrito com uma caneta, algo que parecia ser Lot Clone, ou Hot Zone, era difícil decifrar com o papel daquele jeito…
Ouço passos, e sem saber o que fazer, guardo o bilhete no bolso da calça.
Era a Karmem, ela tinha chegado.
- Oi Matheus – disse ela sorrindo.
- Olá Karmem.
Reparo então na enfermeira que estava atrás da Karmem. Deve ter sido ela que a guiou até aqui. Mas ela não entrou desta vez…
- Eu já soube do que aconteceu… Está tudo bem com você? – perguntou Karmem.
- Ouça, ontem não foi culpa do Alfred. Ele só estava tentando ajudar!
- Eu sei. – disse ela com um ar sério.
- Ah…claro, desculpe…- digo ao perceber o quão rude fui.
- …Enfim, o importante é que você já está melhor.
- …
- Matheus?
- Eu não estou melhor…
- Como?...
- Na verdade, venho piorando gradualmente desde ontem…
- Isso não é verdade.
- É o que é. Minha personalidade está diferente da de ontem…eu não era rude desse jeito…
- Cale sua boca!...
- …
- …Eu estou aqui para te ajudar. – disse Karmem após cinco segundos de silencio.
- Me ajudar? Você não sabe do quão ignorante eu estou…
- …A ignorância, é uma bênção.
- Não. É uma maldição, uma tortura!
- Está errado Francis.
- Pronto! Novamente sou confundido! Hora é com acontecimentos que eu não sei, hora é um objecto, e agora você me chamou de Francis! O que está acontecendo!?
- Acalme-se! Pare de gritar!
- …Viu…fiquei nervoso do nada.
- …Você sempre foi assim…
- …!?
- …Ou era, a um ano atrás.
“Aquele moleque é doente! Só sabe causar pânico na escola!”
Você está tentando combate-lo!
- ler:
- …Você sempre foi assim…
- …!?
- …Ou era, a um ano atrás.
“Aquele moleque é doente! Só sabe causar pânico na escola!”
Após ouvir aquelas palavras...as palavras frias e intolerantes, vindas da Karmem...Aquilo que eu chamava de confusão, acabou por passar dos limites... Era como se eu soubesse de tudo aquilo que era falado. Afinal, sempre acabava por vir um pensamento repentino na minha mente…
- Eu…acho que preciso de ajuda… - falei eu com medo – Tem tanta coisa acontecendo…coisas estranhas. Eu sinto que estou relacionado…
- …Ouça. É verdade que você já esteve aqui no hospital. – Começou Karmem - Mas…eu peço que você ignore tudo isso que vem aparecendo na sua mente.
- Porque eu faria isso?
- É o melhor a fazer. É a melhor ajuda que pode ter…
- Não, não é.
- Deixe de teimosia! Estou tentando te ajudar, será que não entende!? – gritou ela me interrompendo.
- Não, não entendo! Alias porque razão você veio no lugar da minha mãe? Ela compreenderia melhor…
A enfermeira já me tinha dito que foi por causa de um problema com um carro…Mas eu queria ouvir a razão vinda da Karmem. A este ponto já não podia ter confiança em muita gente…
- Sua mãe teve um problema com o carro. – disse ela num tom morto.
É…é a mesma razão. Uma razão falsa…uma mera ilusão!
- Não minta por favor…Eu exijo saber… - falei determinado.
- *suspiro* Não tem nada de que precise saber…Acidentes acontecem, só isso.
- Eu sei que você sabe, ou não estaria nessa aflição…
No momento lembrei do papel amassado que havia colocado no bolso…
- Aposto que até sabe o que é isso…- disse enquanto procurava o tal papel. Porem…este não estava lá. Não estava em nenhum dos quatro bolsos da calça…- Ué!? Sumiu!
- O que? – Perguntou ela confusa
- Eu juro que tinha colocado um papel no bolso! Estava ali naquela estante quando o peguei e… – digo pasmado apontando para a estante.
- Não tem importância. – Ela me interrompe – Podemos ir embora agora? Você já teve alta.
- …Ok. – Afirmei cabisbaixo.
Saímos então do quarto. Vi uma oportunidade para confirmar se realmente estive naquele hospital…Mas nem foi necessário uma prova registada num papel…eu simplesmente reconheci tudo. Cada canto, cada cor, cada cheiro. Um cheiro forte de álcool e produtos medicinais…
Não tinha muita gente. Para ser sincero, estava praticamente vazio. Havia um ou outro funcionário circulando, mas fora isso…vazio. Estranhei não haver pacientes.
- Está calmo isso aqui. – Comentei.
- É muito cedo. O sol ainda nem apareceu sabe? –Esclareceu Karmem. – Alias…ainda são cinco da manha.
- Sério? Pensava que já era tarde.
- Tarde? Não vai dizer que pensava que já era hora de dormir?!
- Acha!? Pensava que era meio dia, dez horas, por ai.
…Me sentia estranho. Era como se minha mente estivesse…dividida em dois! Sentia necessidade, cede de algo. Era uma sensação desagradável, mas ao mesmo tempo tolerável.
Passávamos agora por um corredor. O corredor 0, o que segundo uma enfermeira, nos levaria a receção.
- Mm…não devíamos ter avisado a enfermeira que eu ia embora? – lembrei eu.
- A que ficou cuidando de você?
- É.
- Fiquei falando com ela antes de entrar…
- Ela disse que podia ir embora?
- Disse que você tinha tido alta.
- E isso significa que podia vazar de boa?
- Sim…deixe de confusão garoto.
Tentava aliviar a tensão que sentia. Portanto, optei por jogar um pouco de humor, o mínimo que fosse, também não queria ficar chato. Porem…sentia a necessidade de fazer uma pergunta…
- Ela falou mais alguma coisa?
- Nada de mais. Apenas disse que você tinha recuperado e que não foi nada de grave.
- A tá…
Após uma longa caminhada pelo monótono corredor 0, chegamos finalmente na receção, nos dirigindo de imediato para a grande porta vidrada com o sinal de “EXIT”. Parei de repente…
- Matheus? Porque parou? – Pergunta ela desconfiada.
Meu coração disparou…Meu sangue gelou…Pouco antes de sair eu…olhei para cima, e vi o que parecia ser uma frase publicitária. You are Not Alone era o que dizia…
Eu estava chocado…e o pior, era que não sabia a razão.
- Eu não estou sozinho… - Pensei alto - Im Not Alone...
- O que foi Francis? O que está dizendo?
“…Francis…”
- Droga…“…Francis Matheus…”
- Droga!!
Estava delirando…Minha mente estava completamente descontrolada, era como se estivesse sendo forçado a lembrar de algo! Me sentia um brinquedo nas mãos de uma criança. Uma criança hiperativa e impulsiva…
- Matheus!! - Ela gritou.
Corri…Corri dali p’ra fora. Precisava de ficar sozinho, longe de tudo!
- Pare! Eu posso explicar!! - Gritou novamente.
- Vocês adultos não entendem nada! Não conseguem compreender absolutamente nada do que os adolescentes sentem!! - Desabafei após uns cinco metros de distância da Karmem
- Errado Francis! - Negou irritada.
Parei novamente…Parei e me virei de frente para ela…
- Sabe… - Comecei - …Numa coisa eu acredito em você…Meu nome. Francis Matheus é o meu verdadeiro nome! E tem mais!...Muito mais mistérios que a minha mente e pessoas como você escondem!
- …Maldição…Está tentando combate-lo… - Karmem sussurra.
- Você tem noção de que eu fui vítima ou melhor quase vítima de assassinato neste hospital?! E de que eu julgava me chamar Ninfar Matheus!!? De onde é que eu fui buscar esse nome heim!!?
- Você está tentando combate-lo!! – Ela grita me interrompendo.
- …
- Você está cada vez mais próximo…Receio que a este ponto você já não controle mais seus impulsos de concertar sua memória…Não tenho outra chance senão lhe contar…
Os déjà vu’s que constantemente surgem na sua cabeça não são comuns…Eles tem características diferentes, o que faz com que o impacto na mente humana seja muito maior…Eles tem um nome em especial. São chamados de Dakuendo…
Fiquei surpreso…Não esperava que Karmem cedesse. Nem da revelação de que sou portador de algo assim. Deve ter sido por isso que desmaiei…Ou será que ela está inventando? Não. Acho que isso não batia certo.
- Agradeço por ter contado. É sem dúvida perturbante…Mas me vai ajudar a recuperar a memória.
- Francis, memória destruída pelo Dakuendo não é recupe…
- Karmem, eu vou para casa - Interrompi - Preciso de ficar sozinho…
- Mas Francis…!
- Até mais tarde. – Me despedi ignorando-a.
- ler:
Saí correndo para casa. Tinha que chegar rápido, ou correria o risco de esquecer daquela palavra…
- Dakuendo, dakuendo, dakuendo…- Repeti alto com medo de que minha mente a “expulsasse”, afinal, no estado em que estava, não seria difícil para meu cérebro idiota dissipar uma simples palavra. Alias…Ironicamente, ele iria estar expulsando o nome do seu mestre, não é isso?...
“Os déjà vu’s que constantemente surgem na sua cabeça não são comuns…Eles tem características diferentes, o que faz com que o impacto na mente humana seja muito maior…Eles tem um nome em especial. São chamados de Dakuendo…”
Droga Karmem…O que ela me disse não foi claro o suficiente…Mas só pode ser isso. O Dakuendo deve ter tomado posse da minha mente, tornando-se capaz de causar o tal impacto…Argh! Não, calma Matheus!…essa sua teoria é fantasiosa demais, tem de ser algo mais psicológico…É sem noção falar “O Dakuendo”, afinal, como ela disse, são apenas déjà vu’s com características diferentes. Não um vírus fantasioso… Mas enfim… preciso de me preocupar em lembrar da palavra quando chegar em casa. De certeza absoluta que se eu pesquisar na internet vou encontrar alguma informação… E quando o fizer, saberei como destruir meu “mestre”………Humpf. Pensando bem, acho que pra mestre só causa desordem... Só de pensar sobre isso já me dói a cabeça…
…Interrompi meu raciocínio por um pouco. Não por falta de vontade, mas sim por segurança, pois agora que sei do que minha mente é capaz…preciso evitar me aprofundar nesse assunto. Pelo menos até chegar em casa…Lá sim vou poder juntar toda a informação que recolhi e forçar a minha mente ao máximo para…para…
“…A ignorância, é uma bênção…”
- Argh!! - Rosnei de raiva – Droga…porque, heim!!? Porque Karmem!!??...
…Porra…Não importa de qualquer forma…Agora tenho de me acalmar um pouco, não quero me stressar aqui no meio da rua… Poderão achar que sou louco. Ainda por cima um garoto como eu passeando pelas ruas de madrugada…Mas enfim, que seja… Deixa eu me orientar aqui para ver se chego de uma vez... Droga, se pelo menos não estivesse tão escuro... seria muito mais fácil.
… Estava tendo dificuldade me orientando, tanto pela escuridão quanto pelo fato de não andar muito por ali. Mas tive sorte, pois certas placas indicavam ruas que conhecia tão bem quanto a palma da minha mão. Só tinha de segui-las e estaria em casa num ápice…
- Muito bem… - Sussurro enquanto observo as placas. - …Mmm… Rua da Amora… Campo de basquete… Rua da Igreja…
Conhecia esses locais… ficavam do lado oposto à minha casa… O que obviamente queria dizer que eu teria de seguir caminho pelo outro lado.
Me viro então e recomeço…
- … Rua da Colina Amarela... Rua Carvalho Negro… Rua… Aha!... - Exclamo ao encontrar a solução, e ao mesmo tempo, o melhor e de certeza o mais rápido caminho até minha casa… A Rua do Milagre das dezoito horas… Bem, na verdade, não é bem uma rua por assim dizer… É mais uma ladeira. A Ladeira Milagrosa como chamam. É muito conhecida pela sua vista maravilhosa para o bosque Kuro... Tem até gente que vai lá de manhã cedo só para apreciar o nascer do sol… Heh… Eu por acaso este ano, muitas vezes fui uma dessas pessoas… O que posso fazer? Aquilo lá é maravilhoso!
Bem …Outra razão de sua fama, é o fato dessa rua: A Rua do Milagre das dezoito horas, ser na verdade uma lenda. Uma lenda originada nesse bairro, naquela ladeira… Não sei ao certo de que se trata. Penso que seja sobre um urso, acho… Mas dane-se, não importa, vou acelerar o passo. Quero ver se chego lá antes do “pessoal das paisagens”… Vai que alguém que eu conheça esta lá e me pergunta o que estou fazendo essa hora na rua… Direi o que? Que estou passeando?... É a única resposta lógica, acho… Ou melhor, é a única mentira lógica. Pois de jeito nenhum eu vou contar a verdade sobre o meu incidente!... Aquilo foi de loucos…
Após descer e subir inúmeras vezes, chego finalmente ao meu destino. Refiro-me a ladeira não à casa, essa ainda estava a alguns quarteirões dali. Porem, como grande aventureiro, conheço vários atalhos que me levarão a casa sem a necessidade de andar em zig zag. Mas… já que estou aqui, e visto que o pessoal ainda não chegou, vou aproveitar pra admirar um pouco o bosque… Não há quem resista ao seu encanto. É hipnotizante… As arvores; o sol; a brisa… Tudo contribui para esse efeito. E no outono então… Melhor ainda.
… O tempo foi passando e eu lá… apreciando a paisagem. Já lá foram dez minutos, pensei. Daqui a pouco o sol aparece.
- Bom dia meu jovem. - Soa uma voz fraca atrás de mim.
- Heim? - Digo me virando para a origem do som. Estava surpreendido de já ter alguém por ali. – Er… Bom dia meu senhor.
Era um senhor idoso, como já esperado pela voz. Devia ter uns oitenta, noventa anos por ai. Tinha uma aparência bastante gasta e enrugada. Mas parecia estar muito em forma pra sua idade.
- É incrível isso aqui não é? - Pergunta com uma voz rouca, porem viva.
- Sim. É mesmo.
Me sentia meio que hipnotizado com aquela vista, não tirava os olhos dali, simplesmente mexia a boca pra responder vagamente ao que o velho perguntava…
- … Porque está de pé tão cedo? - Pergunta após um pequeno período de silêncio.
- Er… Nada de mais. Acordei de madrugada só isso. É costume meu mesmo. - Disse ocultando a verdade.
- Huhu…Engraçado... *cof*.
- Mm?
- Jovens como você… essa hora estão em sono profundo.
- … Onde quer chegar? - Pergunto olhando de relance para o velho.
- … É que…faz um bom tempo que não vejo um jovem por aqui…
- Sério? Bem, eu acho inevitável.
- *cof *cof*… Inevitavel?
- Uhum… Penso que qualquer um que passa por aqui fica maravilhado com tudo isso. Não acha? - Pergunto colocando as mãos no bolso. Estava esfriando.
… O velho calmamente se aproxima, ficando lado a lado comigo.
- Acho que “qualquer um” não sente necessidade disso… - Diz
- Não entendo.
- … Não é fácil de entender garoto… *cof* *cof*… *cof*
- O senhor sente-se bem?
- *suspiro*… Sim, obrigado
- Sabe garoto… - Começa. - … Meu neto… É um dos poucos jovens que eu ví por aqui…
- Seu neto? - Pergunto, tentando puxar imformação.
- Sim, meu neto… Huhu… O pequeno Aaron. Ele vinha várias vezes aqui…
- E o que que tem isso?
- Bem… essa é uma questão complicada.
- Não acho que seja. Afinal…
- Sim, sim. Eu sei… - Interrompe - Mas… Ao longo desses anos, eu fui notando algo mais.
… Ao ouvir isso, senti um agudo e desconfortante arrepio. Um dos piores que já havia sentido… Era doloroso, gélido… Num segundo desfez toda magia que havia entre mim e o bosque Kuro.
Agora podia senti-lo novamente… Havia acalmado por algum tempo, mas agora voltara… O “poder do Dakuendo” estava de novo atordoando minha mente…
- Eu fui observando meu neto… - Continuou. - … Estranhava ele vir aqui tantas vezes.
… Porque?…Porque agora? Porque que voltei a senti-lo justo agora?! Será que esse velho está causando isto?!
- Espere! Pare um pouco por favor!... - Gritei agonizado com a dor.
- Tudo bem… Eu espero. - Disse ele calmamente.
… Novamente tinha sido rude. Primeiro a Karmem; Agora um idoso que eu mal conheço.
Mas, de momento, minha preocupação não era bem essa. Acontecia algo mais, algo com minha mente. Algo que não durou muito pra eu notar… A dor estava parando…
Estava estupefato. Minha face mostrava tal espanto que até um velho de noventa anos poderia perceber na hora. E de fato percebeu. Mas não disse nada, ficou na sua. O que me alertou para a hipótese de o velho saber de algo sobre o tal do Dakuendo… Ou era isso, ou o velho realmente não tinha empatia nenhuma com as pessoas… ou comigo.
- Mas que surpresa… - Sussurrou o velho pouco tempo depois - Mas que grande surpresa…
- O que? O que foi?! - Perguntei assustado.
- … Vá pra casa garoto. - Disse ele virando as costas e indo embora.- … Vá descansar.
- Huh?!
Minha expressão assombrada continuava desenhada na minha face. Eu me fixava na deslocação do velho como quem olha para um pendulo em movimento.
Estava pasmado com o fato de a dor ter parado quando ele calara. Assim como ter me mandado para casa. Como… Como se isso fosse algo comum pra ele!
- … Aaron… Meu neto… Estou com você… - Sussurrou o velho de forma quase inaudível.
Última edição por NinfarZ em Qui Ago 08, 2013 6:38 pm, editado 55 vez(es)